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sábado, 18 de setembro de 2010

Kilimanjaro – Dia 8 – 6:08


A noite era escura, no céu só a lua e infinitas estrelas acompanhavam os caminhantes. Deixamos o acampamento dos 4703mt pelas 0:15. A penumbra era só quebrada pelas lanternas de quem ascendia, parecem dezenas de pirilampos que se mexiam como caracóis. O nosso destino estava envolto em penumbra e só conseguíamos ver escassos metros. A subida tornou-se assim num exercício de paciência. Um passo de cada vez, sendo que um passo era por o fim da bota que avançava ao nível da biqueira da que ficava. Parece uma ridícula marcha fúnebre, mas só esse curto movimento era o suficiente para o coração bater e causar a sensação que o peito ia explodir. Afinal de contas há cerca de metade do oxigénio nesta altitude face ao que existe ao nível do mar.
Como se não bastasse, o frio começou a apertar. Deviam estar pelo menos -15ºC, pois a sensação nas mãos era a mesma que tive em Andorra este ano ao utilizar o mesmo equipamento (e lá apanhei -18ºC).
O topo não chegava, parecia um disforme e inatingível vulto, sendo que o pior era sentir o que se apoderava de mim, o cansaço. Foi tamanho o ataque que pensei que ficaria ali mesmo. A teimosia era maior, esbofeteei-me mentalmente e prossegui com aquela tortura. Aqueles milhões de passos inconsequentes que pareciam levar a lado nenhum não tinham meio de acabar.
O ritmo ia sendo certo e passamos 5 grupos que tinham partido antes de nós. Os passos sucediam-se, acompanhados de muito frio e escuridão. Só o belíssimo manto de estrelas ajudava à distração daquele triste fado.
Até que, quase do nada, um dos guias que foi à frente, fez sinal que a pior parte estava a terminar. O ponto é “Gilman’s Point”, a mais de 5600mt. Depois de uma subida a cerca de 30º paramos, ofereceram-nos um chá que, com o seu calor, era como combustível nuclear pronto a ser usado. Agora ainda tínhamos cerca de 2 horas de caminhada até chegar ao pico Uhuru, a 5895mt. A inclinação deixou de ter dói dígitos para ter só um, a progressão foi mais rápida, mas sempre com a bomba no peito.
A moral via-se que era outra e apesar dos cansados passos de caracol, fomos prosseguindo. Cruzamo-nos com o final das rotas “Coca-cola” (as mais fáceis, ao invés da nossa que era uma rota Whiskey), e lembrei-me que parecíamos inúmeros monges em peregrinação para um qualquer local santo. Tudo custava até que, entre o desgaste supremo, vi o meu destino, o pico. Fiquei irado, praguejei e estando farto daquela interminável caminhada, acelerei o passo. Quase parecia marcha de competição, passei o guia, passei mais 2 grupos e continuei sem parar. Quem me olhasse devia encontrar um olhar furioso e fora de controlo, mas eu só queria chegar ao topo. Num instante lá estava e a dois passos parei e sentei-me. Parei não porque estivesse cansado, mas porque disse para mim mesmo “está provado que consigo”.
Tiramos fotografias e pude ver o mais belo nascer do Sol que alguma vez presenciei. O Sol começou a aparecer entre as nuvens, como que algo alienígena que do nada surgia. A euforia chegou e era tempo de descer os quase 1200mt que tanto custaram a percorrer para retornarmos a “Kibo Hut”.

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